O Manel na <i>manif</i> - Nuno Gomes dos Santos
Garanto-vos que estaria lá. Assim as forças e a saúde lho permitissem. Viria do Sul, sempre, de sobretudo acastanhado, e traria um boné indiscutível abrigando-lhe a penugem da calva. Manteria o sorriso zombeteiro e terno a acompanhar-lhe o olhar camarada vendo os seus pares, aconchegado por senti-los muitos.
Passaria pelo Martinho da Arcada, lugar de memórias republicanas e de bica e acompanhamentos que não lhe matariam saudades dos que preferia emborcar no Café do Retorta, paciência, não se pode ter tudo.
Quase incógnito, não fora os que com ele se cruzariam, sorrindo-lhe afectos por lhe reconhecerem indisfarçáveis sinais de fogo e de cinzas, cumprimentaria camaradas, olá Jerónimo, como vais Francisco, bons olhos te vejam Zé. A mim dar-me-ia o abraço esperado e retribuído, falaríamos das noitadas no Pragal (diria, como sempre que a conversa era para aí virada, que falávamos da “Alfama do distrito de Setúbal”), ficaria feliz por ter ali ao lado o Samuel ao alcance das mãos e, depois, olharia, apreciador, as jovens enrubescidas pelo sol que há-de nascer para muitos mais que os 300 mil que por ali davam um novo nome ao Terreiro do Paço.
Teria uma atenção convicta às palavras do Arménio, diria um não grande quando para isso o solicitassem palavras de discursos de repúdio à humilhação e subserviência, soltaria vivas ao futuro e depois, mais confortado, tomaria um barco de partida para uma chegada ao Alentejo que lhe corria nas veias.
Manuel da Fonseca não esteve na manifestação do dia 11 de Fevereiro no Terreiro do Paço, então dito do Povo e pelo povo preenchido, a lembrar Saramago num primeiro de Maio lançando a pergunta Se isto não é o Povo, o Povo aonde é que está. Seria uma maneira feliz e humilde de nos lembrar que, aos 100 anos, se pudesse, exerceria o seu direito de cidadania ao lado de quem sempre esteve, tomando o partido do seu coração. Mas olharia, com tristeza, para uma fotografia de jornal que quase instigava à dedução forçada de que Arménio Carlos e Carvalho da Silva estavam na manif, sim senhores, mas desavindos. Não sucumbiria à revolta de não ter sido tido em conta, em alguma comunicação dita social, o esforço de muitos que foram dizer, com convicção, que não se vendem, na Praça do Comércio que por um dia mudou de nome, porque não aceitam a imposição de serem moeda de troca para quem só sabe soletrar a palavra desistir. Apostaria que o futuro escreverá a História de 300 mil que foram dizer, ao senhor de Passos, que a quaresma só existe por ser a vivência atenta da luta pela ressurreição.
No próximo dia 18 de Fevereiro, na Biblioteca Municipal José Saramago, no concelho de Almada (Rua da Alembrança, Feijó), será aberta, para aí perdurar até 13 de Março, a Exposição de Desenho em Homenagem a Manuel da Fonseca, com mais de 20 olhares sobre uma escrita que deambulou sobre a seara do vento que sopra sobre os dias que hão-de vir. Já esteve em Lisboa, é uma iniciativa do Projecto Cultural + 5 e tem, desta vez, o apadrinhamento da Câmara Municipal de Almada.
Será o presidente da Associação Portuguesa de Escritores, José Manuel Mendes, quem falará da vida e obra de Manuel da Fonseca. Alexandre Castanheira dirá poemas do autor de “Um Anjo no Trapézio”. E o Grupo de Cantares e Cavaquinhos da Associação Cultural Manuel da Fonseca (Pragal, Almada) e Francisco Naia darão um toque de cumplicidade ao evento.
Como escreveu um dia Eduardo Guerra Carneiro, “Isto Está Tudo Ligado”. O Manel não esteve na manif? Claro que esteve! Eles “mataram a tuna”, mas não nos calaram a melodia!